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25 de Abril de 2024

A polícia vandaliza o direito de protesto, diz juíza Kenarik Boujikian

Atingida no rosto por bomba de efeito moral disparada pela Polícia Militar de São Paulo, durante ato no dia 31 de agosto, a desembargadora e ativista dos direitos humanos Kenarik Boujikian publicou artigo na página do Justificando no Facebook, em que rechaça a repressão policial contra os manifestantes.

Publicado por Carla
há 8 anos

A polcia vandaliza o direito de protesto diz juza Kenarik Boujikian

Por certo que a repressão policial, a violência contra os manifestantes que de forma pacífica estão a exercer o legitimo direito de reunião e livre manifestação e expressão, não é gratuita e não é fruto do despreparo da polícia. (Foto: Apesp)


Por Kenarik Boujikian

Um abraço solidário para Debora Fabri, estudante da UFABC, que perdeu a visão, atingida por estilhaço de bomba.

No 31 de agosto, ao voltar do trabalho, minha filha Isabel se preparava para ir ao ato de protesto contra o Golpe, que se realizava aqui em São Paulo, como em diversas cidades. Fui junto.

Quando chegamos na Avenida Paulista, a passeata já tinha saído do MASP e seguia em direção ao centro. Passamos por uma fileira de policiais militares e logo conseguimos alcançar o final da passeata. Caminhamos rapidamente por toda a Av. Paulista (pois minha caçula pretendia encontrar com amigas, que estavam mais adiante, e íamos encontrar a outra filha, Mariana, que sairia da USP e também estaria à frente).

Foi uma manifestação absolutamente pacífica, com brados e vários dizeres. Pude cantar várias delas, inclusive uma das minhas favoritas: “nem recatada e nem do lar: a mulherada tá na rua pra lutar!"

Passei em frente ao prédio da policia militar/bombeiros que fica na Consolação, onde estava uma fileira de policiais, fortemente armados, com escudos, sendo fotografados por vários profissionais.

Durante todo o trajeto, não presenciei um ato sequer de violência.

Seguimos mais adiante, passamos da altura da Rua Maria Antonia. Um grupo entrou na Rua Amaral Gurgel e uma parte ficou mais atrás, e começou a dispersão, porque as bombas começaram a pipocar.

De longe eu via a fumaça se erguer e ouvia os estrondos. Não pensei que poderia ser atingida, dada a relativa distância que me encontrava.

Atravessei a rua em direção à Praça Roosevelt e estava quase em frente à Igreja da Consolação. De repente, um forte impacto na minha testa. Uma dor, uma ardência e o sangue jorrando, de modo que nem conseguia abrir o olho e não entendia o que estava acontecendo. Não sabia onde estava ferida e tossia muito porque a garganta também ardia.

Minha filha ajudou a estancar o sangue, apertando o casaco dela no ferimento. Vi que não tinha sido atingida no olho. Era um corte no supercilio.

Fui para o hospital, onde soube que uma pessoa também dera entrada com um ferimento de estilhaço na perna. Deram quatro pontos no meu supercílio. Fizeram tomografia e tive certeza que não tinha acontecido nada na cabeça.

De tudo que vivi e presenciei no 31 de agosto, que se repetiu no dia de ontem, é forçoso que eu conclua que a polícia vandaliza o direito de protesto, um dos primeiros direitos humanos, mas que não paralisará as pessoas, porque estão todos na base: nenhum direito a menos!

Por certo que a repressão policial, a violência contra os manifestantes que de forma pacífica estão a exercer o legitimo direito de reunião e livre manifestação e expressão, não é gratuita e não é fruto do despreparo da polícia.

É pura escolha. Tem finalidade. Querem proibir o exercício de direitos próprios de uma sociedade democrática. Querem incutir o sentimento de medo, que como canta Lenine: “O medo é uma força que não me deixa andar”.

Mas se enganam redondamente, pois encaramos todos os medos, não vamos deixar que eles peguem o amor e não vamos deixar que eles apaguem a vida.

Os mais de cem mil manifestantes de ontem, um mar de pessoas (jovens, crianças com familiares, idosos, estudantes, trabalhadores, de todas as faixas etárias) que caminharam e protestaram, da Av. Paulista até o Largo da Batata, saem mais fortes com cada passo que deram por aquele asfalto. Saem mais fortes com a repulsa à violência.

Não tenho dúvida que parte da imprensa, a que não exerce o seu papel com um mínimo de ética, dirá que se tratava de quebra-quebra, de baderna. Não mostrará as cantorias, não mostrará que caminhavam pacificamente a exteriorizar o seu pensar. Sabemos das várias metodologias que a imprensa utiliza para manipular a realidade, como bem ensinou Perseu Abramo (em Padrões de manipulação da grande imprensa), mas testemunhos não faltam para dizer que a festa da luta, foi bonita pá!, até o momento que a polícia resolveu atacar barbaramente a população.

Nesta quadra, é bom lembrar o sentido do direito fundamental que a Relatoria Especial para Liberdade de Expressão, da OEA-Organização dos Estados Americanos, indica no documento “Marco Jurídico sobre o direito a liberdade de expressão”, para as três funções primordiais da mesma:

A) trata-se de um dos direitos individuais que de maneira mais clara reflete a virtude que acompanha e caracteriza os seres humanos: a virtude única de pensar o mundo desde a perspectiva própria e de comunicar-se com outros para construir um modelo de sociedade;

B) em segundo lugar, a importância da liberdade de expressão deriva de sua relação estrutural com a democracia, qualificada como estreita, indissolúvel, essencial, fundamental, de modo que o objetivo do artigo 13 da Convenção Interamericana é o de fortalecer o funcionamento do sistema democrático pluralista, mediante a proteção e fomento da livre circulação de informações, idéias e expressões de toda índole;

C) finalmente, trata-se de um ferramenta chave para o exercício dos demais direitos fundamentais e por esta importância, encontra-se no centro de sistema de proteção dos direitos humanos.

O rompimento institucional democrático, que tivemos com o impeachment da Presidenta Dilma, está sendo aprofundado e, nesta medida, pretende atingir radicalmente os direitos civis, econômicos e sociais.

A polcia vandaliza o direito de protesto diz juza Kenarik Boujikian

A truculência da ação da polícia contra o primeiro dos direitos fundamentais, o direito de protestar, conectado com o direito de reunião, manifestação e expressão, é para impedir a luta contra o retrocesso em relação aos demais direitos. É tentar tirar a base para a preservação dos demais direitos.

O direito de protestar é o único que pode fazer valer os demais direitos fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade.

Numa sociedade democrática, as marchas e manifestações devem ser protegidas pela polícia e pelos poderes do Estado, e não atacadas.

Nenhum direito à menos! Muito menos o de protestar!

Kenarik Boujikian, magistrada do TJSP, cofundadora da Associação Juizes para a Democracia"

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26 Comentários

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13 vezes maior ... esse foi o movimento contra Dilma e o governo petista.

Não vimos pneus queimados, pichações, depredações, roubo, furto (como o da carteira do Suplicy), ninguém pulou sobre viaturas e nem ateou pedras.

Essa é a diferença entre os que querem um Brasil melhor e os que só querem nos afundar como nas ditaduras que financiaram, que só querem o poder a qualquer custo.

Querem seu VICE fora? Ótimo, fiquem com ele, pois vocês que elegeram a chapa dele o merecem. Põe no gabinete da juíza pra prestar consultoria de direito constitucional.

Mas comunismo, chavismo, bolivarianismo, nunca mais !!! continuar lendo

Pois é. O curioso realmente é isto: as manifestações contrárias a Dilma movimentaram um contingente brutalmente maior e simplesmente não houve vandalismo. A polícia estava lá (e era até solicitada pelos organizadores) e simplesmente não houve nada mais grave que selfies de manifestantes e... policiais. Já protestos contra Temer e que reúnem um punhado de gatos pingados, SEMPRE termina em barbárie.

Se uma Juíza não sabe separar o que protesto de vandalismo, torço para que esta não seja regra ou teremos sérios problemas no futuro. continuar lendo

Acho que o bom mesmo seria um dia a polícia omitir-se. Simplesmente não ir às ruas e deixar os manifestantes fazerem o que quiserem. Oras, se com a presença da polícia eles depredam, destroem, vandalizam, imaginem caso não estejam. continuar lendo

A moral da história da juíza é: se destruírem o que é meu ganho em tempo recorde um bem novinho pago pelo Estado (contribuintes) ... já o cidadão comum morre na morosidade da Justiça e em alguma desculpa esfarrapada para não responsabilizar os movimentos ditos sociais pelo dano.

Alguém já viu sem terra restituir carga saqueada? Ou os pichadores e depredadores destes movimentos sociais pagar a conta daquilo que danificou? continuar lendo

Muito bom falar isso do seu gabinete, excelência. Não é seu carro que está sendo queimado, sua loja depredada, suas coisas furtadas/roubadas. continuar lendo

Nunca vi a polícia ir dar porrada e jogar bomba em estudantes que estão na sala de aula. Vale a reflexão! continuar lendo

Argumento na mesma linha de quem diz que mulher não é estuprada quando está na cozinha, é justificar o crime culpando a vítima. Uma pena que juristas brasileiros incorram em desvios lógicos tão básicos. continuar lendo

Quem seria Luiz Henrique a vítima? A juíza? A estudante que perdeu a visão? As pessoas que tem seu patrimônio destruído?

A estudante disse em 2015 no Twiter que é "a favor de qualquer ato de qualquer destruição em protesto de cunho político que tenha objetivos sólidos".

O que são objetivos sólidos? Os dela?

Agora quero ver um argumento que justifique ela ter o direito de destruir sem ser reprimida pela polícia.

Só lembrando que sem a polícia há a autotutela. continuar lendo